terça-feira, 20 de agosto de 2013

Vivendo em JP/CG sem carro

Dia 07/06 nosso Sandero foi pro beleléu depois que um burro cruzou o caminho de Nazareno na estrada*. O processo do seguro para pagar o valor do carro demorou mais que o esperado e no fim das contas passamos quase dois meses totalmente sem carro. E foi uma experiência interessantíssima.

Tudo bem que desde que voltei da Holanda, e decidi ficar trabalhando em João Pessoa, já tinha dito que ia tentar a vida sem carro em João Pessoa. O que eu já estava fazendo. Mas sempre tinha o carro para um dia de preguiça e, principalmente, nos fins de semana. Mas ficar totalmente sem carro em João Pessoa e Campina foi inédito. E por mais incrível que pareça, teve mais pontos positivos que negativos.

Minha surpresa foi grande porque confesso que tinha medo de sentir uma falta de mobilidade, por isso mesmo que falei que ia 'tentar' viver sem carro. E esse medo vem de muitas coisas, mas principalmente porque nós, classe média do Brasil, não só crescemos achando a dependência ao carro algo normal como acreditamos que é impossível viver com conforto sem carro, impraticável de ônibus e bicicleta nem se considera.


Meu principal meio de transporte para ir ao trabalho é a bicicleta. São 7km de distância em ruas sem uma sequer via ciclável. Apesar de alguns trechos serem bem difíceis, principalmente nas rotatórias, sei que tenho a vantagem de já andar de bicicleta há muitos anos e por isso acho tranquilo. Quando vou de bicicleta chego com energia, sorriso no rosto. Adoro quando tem engarrafamento e eu passo tranquila pelos carros e acho uma pena não poder ir para todos os meus destinos de bicicleta.

Alguns dias e à noite eu uso principalmente o ônibus. Fiz meu cartão cidadão** e aprendi que o único ônibus que eu pego para ir pro trabalho, apesar de sair do terminal a cada 30 minutos, passa na mesma hora no meu ponto. Não só isso, ele é bastante pontual, portanto, suficientemente confiável. Na maioria dos deslocamentos que eu faço de ônibus, o percurso é o mesmo que eu faria de carro (em João Pessoa, Campina já faz um zigue-zague maior) e o tempo de espera no meu bairro raramente passa dos 5 minutos.


Claro que o carro tem sem papel e em algumas horas ele fez falta sim. No início, pra fazer feira, mas depois a gente até descobriu outras formas usando taxi e bicicleta, como também descobrimos o mercado público perto de casa. Nos fins de semana às vezes dava preguiça de sair, principalmente pra lugares onde o transporte público não é tão frequente ou acessível. O que me lembra meu doutorado… se você der opções de transporte (com qualidade) às pessoas, elas vão repensar o uso do carro.

Na tabela abaixo dá pra ver um comparativo entre os três modais. Por mais que normalmente o carro seja mais rápido, é muito mais gostoso a independência do carro. Estar na rua, ver gente, não se preocupar com estacionamento, ficar com a cabeça despreocupada, aproveitar o tempo gasto no deslocamento com outra coisa, não ter que pensar em colocar combustível, ter certeza que você vai chegar naquela hora não importa o que aconteça (de bicicleta no caso). 

Comparativo dos meus trajetos para o trabalho:

Tempo
(porta a porta)
Externalidade
Custo
Bicicleta
28 minutos
Faço exercício físico, chego energizada. Fico exposta a sol e chuva.
Quase zero
Ônibus
25-30 minutos
Descanso, faço crochê ou leio. Falta de garantia no horário de chegada.
R$ 2,20
Carro
15 minutos
(pode chegar a 30 minutos no pico da tarde)
Tudo é facilitado para ir de carro. Me estresso (e muito).
R$ 5,50***

Nesse nosso estágio sem carro, meu contentamento foi ainda maior por Naza ter descoberto esse mesmo sentimento. Ele testou e gostou ir pro trabalho de bicicleta e acabou dizendo que não ia mais usar o carro todo dia pra ir trabalhar. Só que infelizmente ainda não dá pra se livrar completamente do carro no Brasil, mas é muita certeza termos só um, mesmo que seja compartilhado em cidades diferentes. E enquanto eu preparava esse post nosso carro novo chegou, e foi recebido com carinho e alegria, mas é com a mesma alegria que a gente dá sempre um descanso pra ele, deixando-o em casa para ir trabalhar de bicicleta ou de ônibus. 

Sobre esse mesmo sentimento fala o livro 'como viver em SP sem carro', que também virou matéria na globo (abaixo). A matéria fala justamente do quão agradável é sair da zona de conforto e de repente viver a cidade de outra forma. Vale a pena ver o vídeo, se empolgar e testar deixar o carro em casa, nem que seja de vez em quando.





A dificuldade é fazer as pessoas e principalmente os gestores entender essa liberdade que o não uso do carro dá. Entender que um dia todos vamos ficar velhinhos e com mobilidade reduzida e que é legal não depender de familiares/motoristas para nos deslocar. E que a vida é muito mais leve sem carro. E sonho com o dia que nossas cidades forem um reflexo desse entendimento.


* todos os animais envolvidos no acidente escaparam :P
** cartão do transporte público que dá direito à integração temporal, para quem paga a passagem inteira.
*** preço aproximado baseado na tabela da ANTP.