segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ahh, o verão...

Uma das minhas grandes preocupações nessa minha vida temporária na Holanda sempre é o frio. É claro que aqui tem as 4 estações do ano, mas o verão passado foi tão mixuruca que não deu pra reabastecer a bateria de calor. Resultado: sofri muito mais quando o inverno chegou e me preocupei com os três anos que vêm pela frente.





Esse ano não. Finalmente o verão nos países baixos está descente. Nos últimos dias me espantei com a temperatura de Breda e Eindhoven comumente mais alta que em João Pessoa.
Esse verão tá quente, pegando fogo. Do naipe de dar 32 graus dentro de casa, precisar dormir com a janela aberta, sair por semanas seguidas de saia sem meia-calça, tirar o mofo de todas as blusinhas de alcinha e querer só ter sandálias em vez de tênis. Parece uma celebração da vida, coisas tão banais pra quem vive perto da linha do Equador são celebradas durante esses três meses do ano (tomara mesmo que dure três meses). São várias as delícias de um verão quentinho: 1. Poder sair com as canelas de fora. Bom demais usar uma saia sem meia-calça. A pele respira depois de tantos meses debaixo de tanta camada de roupa. Além do que, você se veste muito mais rápido e é muito mais fácil escolher que roupa usar porque você não tem que pensar em 5 peças de roupas diferentes que combinem e estejam limpas.

2. Poder deixar as janelas de casa abertas. Pelo menos por alguns meses a casa não fica com cheiro de guardada, ou pior, cheiro do jantar de ontem.

3. Secar roupa no sol. É incrível a diferença que faz entre uma roupa secada na máquina de secar e uma secada no sol. A roupa fica com um cheiro bom, psicologicamente eu penso que está mais limpa e eu ainda me sinto mais ecologicamente correta.

4. North Sea Jazz Festival. O festival mais legal que fui na minha vida acontece todo verão em Rotterdam. Esse ano foi muito melhor com a temperatura perto dos 30 do que no ano passado quando era difícil ficar na parte externa do festival. Mas independente de temperatura, essa é uma das maravilhas de estar nas Zoropa: acesso à cultura.

5. Comportamento das pessoas. Outra coisa espantosa é o quanto as pessoas mudam no verão. Todo mundo fica sorridente, vai pra rua, fala mais com estranhos. Parece outra vida que elas levam.

6. Sorvete, muito sorvete. Fica tão mais gostoso tomar um sorvete quando tá quentinho! E ainda mais com a sorte que a gente tem de ter um 'friberg' e uma 'friandize' em Breda (ou seja, duas sorveterias muito boas).

7. Silêncio na universidade. A grande maioria das pessoas da universidade entra de férias. Por dois meses é o melhor lugar do mundo pra trabalhar.

8. Jantar na varanda de casa. Especialmente quando o pôr do sol está bonito. Tem dia que o céu fica lindo! Tem uma cor que parece o Marrocos, as nuvens são diferentes e geralmente somos presenteados com balões passando perto da nossa laje.

9. Andar de bicicleta no calor. Tem gente que reclama que andar de bicicleta no calor é ruim, mas eu garanto, é muito melhor do que no frio. Pelo menos não dói. Ainda tem aquele ventinho gostoso...

10. Tomar banho frio
. Calor de 30 graus, sem um pingo de vento, como é gostoso tomar um banhozinho frio e colocar um vestidinho fresquinho.

11. Os trens. Ficam vazios, vazios. Qualquer hora é tranquilo pegar trem, você não precisa ficar adiando sua volta pra casa pra poder pegar um trem mais vaguinho.

12. Ir pro parque, tomar banho de sol e ficar curejando a vida do povo.






Mas, como nem tudo são tulipas, também tem coisa chata pra caramba:

1. Gente fedendo. Tudo bem que aqui tá longe de ser como na França, mas você ainda encontra pessoas com aquele cheirinho de inhaca. Talvez eles também acreditem que banho demais faz mal (os franceses têm essa teoria, existem exceções claro).

2. Mulher com sovaco cabeludo. E com que cara você fica quando percebe que aquela sua colega de trabalho não depila as axilas? Bom, essa história aconteceu com um amigo e não comigo, mas eu fiquei imaginando como eu iria reagir. Acho que iria ficar dizendo pra mim mesma 'É normal, não é feio, não fique olhando', mas queria não passar por isso.

3. Ar condicionado mais frio do que precisa. Não é só nos ônibus da real ou no cinema box, aqui eles também usam o ar condicionado com a gota serena no negativo. Aí você sai toda feliz porque finalmente tá conseguindo usar aquele vestido que comprou no verão passado, mas fica morrendo de frio. Eu já aprendi: tenho uma manta na universidade pra poder usar o vestido e não congelar. Mas eu odeio a temperatura do meu prédio da universidade.

4. As festas dos vizinhos. Em geral nossos vizinhos são bem simpáticos, mas gosto musical fica infelizmente tá longe de simpatia. Festa no verão o povo faz nos terraços de casa, e os terraços de dois vizinhos nossos dão pra nossa janela do quarto. Ficamos com duas opções: escutar a danada da música alta do vizinho + as risadinhas da galera, ou dormir com a janela fechada cozinhando dentro. Ainda bem que um dos vizinhos chama a gente pras festas. A melhor solução que temos é fazer mais amizade com o outro.

5. Tudo fecha. A cantina lá da universidade, os departamentos do governo, algumas lojas, tudo fecha. Aposto que se você ficar doente, tem que esperar até setembro pra ser atendido (brincadeira).

6. Pegar o trem com as pessoas com roupa de banho, indo pra praia, enquanto você tá indo trabalhar. Ninguém merece!

Não é novidade que pra mim o verão tenha muito mais coisas boas que ruins. De qualquer forma, como afirmei em um 'post' passado, é bom estar vivendo as quatro estações do ano, principalmente quando elas são bem definidas. Desse jeito, fica mais fácil a temporada nas terras baixas. Além disso, como estava conversando com Daniel um dia (um amigo brasileiro), imagina se fosse assim [verão] sempre, não iria caber de gente querendo morar aqui.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Socorram-me subi no ônibus em Marrocos

Ainda no avião da Air Maroc dava pra ter uma ideia do choque holanda-marrocos que iríamos viver durante a viagem: várias mulheres de véu, comida boa e uma estranha abordagem no jornal marroquino em francês. Nele tinha uma matéria de três páginas apoiando a implementação da educação sexual nas escolas marroquinas. Um nível de discussão que eu só imagino existir num Brasil de lá pelos anos 60.

Desembarcamos em Marrakesh depois de uma escala em Casablanca. A primeira lembrança que eu tenho, depois do lindo aeroporto é da bagunça do trânsito, da quantidade de bicicletas misturadas com motocicletas e com os carros. A segunda imagem mais marcante são as cores, ou melhor, a cor, tudo é terracota: as casas, as ruas, o pôr-do-sol, o deserto: é uma cor única e linda (pros meninos que não sabem a diferença entre roxo e lilás, terracota é aquela cor de telha, tipo um vermelho fubento). A cidade encanta de qualquer esquina que você olhe, aliás o país inteiro, são paisagens naturais, contrastes urbanos, luz intensa e calor gostoso.



A viagem inteira totalizou 7 dias, 2 cidades, algumas centenas de quilômetros percorridos, varias cidadezinhas e um pouco de deserto do Saara (Allah-lá-ô, ô ô ô ô ô ô). Miriam, nossa amiga marroquina, compara Marrakesh com Salvador. Ela é de Rabat, a Brasília marroquina, e como a gente, se sentiu viajando pelo Nordeste do Brasil - o que pra mim, depois de um ano em terras européias, foi como voltar pra casa. E como 'essa volta' me fez bem!


Marrocos é religião forte, é povo supersticioso, de bem com a vida, sorridente. Povo que também faz de tudo pra conseguir o ganha pão, que explora os turistas da mesma forma que em Salvador, que canta, que dança, que não tem pressa e quer agradar.



O maior ponto de diferença das nossas gentes é o mesmo que traz semelhanças incriveis: a religião. Sempre vem um graças a Deus (hamdu lillah) depois de um 'tudo bem?'; um se Deus quiser (inshallah) depois de uma afirmação positiva. Os mulçumanos tomam vários banhos ao dia, comem tudo bem doce e vira seu melhor amigo em 5 minutos. Mas a religião traz também grandes diferenças: ambos homens e mulheres usam roupas bem cobertas, independente da temperatura. As mulheres, principalmente, têm um comportamento reservado, comportamento esse que é interessantemente refletido na arquitetura, principalmente nas residências, que são completamentes voltadas para o seu interior.


Falando em arquitetura, teve uma coisa que me chamou muita atenção: as grades. Toda janelinha tinha uma danada de uma grade, não por segurança que é um dos lugares mais tranquilos que eu já fui, eu acho que é uma involução das antigas treliças de madeira (?)... talvez. Sendo que quem me conhece bem sabe que eu odeio grades. E continuo odiando. Mas as danadinhas lá, naquele contexto, eram essenciais pra paisagem. As casas às vezes nem eram bonitas, mas do jeito que elas estavam ali, com o contexto do entorno, me fez aceitá-las, com grade e tudo. E comecei a realizar que é injusto eu achar Mangabeira, Valentina ou o Cristo feios. Aquilo é tão único do Brasil, de uma certa classe social, que não é justo a gente querer que se pareçam com a orla de Cabo Branco. Porque o contexto do bairro e das casa dali é vida, são os gostos das pessoas que moram ali, o que eles acham certo e o que eles podem pagar. No final, esses bairros da zona sul são muito mais autênticos que um plágio barato (e talvez bonito) de Sandra Moura*.



No voo de volta, o mesmo jornal que a gente leu na ida tinha uma matéria extensiva sobre masturbação. Por incrível que pareça, apoiando completamente a prática. De toda forma eu voltei pra Holanda encantada, com gostinho de quero mais - fazendo planos pra voltar no fim do ano, feliz com meu aprendizado e com minha nova forma de ver o Brasil, e me perguntando 'o que muléstia de uma figa eu tou fazendo na Holanda?


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* Independente de estética, é claro que é preciso garantir que bairros e residências tenham conforto térmico, acústico e visual. Mas isso é uma conversa longa, talvez eu volte a isso por aqui um dia.