domingo, 3 de novembro de 2013

Estilo de vida, a escolha de um lugar pra morar e a bicicleta

A relação entre o estilo de vida e a escolha de onde morar é um tema antigo abordado na literatura acadêmica internacional. As pesquisas feitas nesse tema relacionam o tipo de deslocamento das pessoas (tempo e modo de transporte) com o meio urbano onde elas vivem. A hipótese dessa linha de pesquisa é que as pessoas buscam morar em um lugar que se adeque ao seu estilo de vida, e que este estilo está também relacionado com sua escolha de meio de transporte. Por exemplo, pessoas que preferem usar transportes não-motorizados e/ou o transporte público tendem a escolher lugares para morar que facilitem essa preferência. Geralmente esse lugares estão localizados nos centros urbanos. Por outro lado, pessoas que tem um estilo de vida mais voltado à família, por exemplo, tendem a dar preferência a um espaço maior, sendo esse fator prioritário na decisão, mesmo que o lugar escolhido induza ao uso mais frequente do carro para os deslocamentos.



No Brasil eu não conheço se há pesquisa no gênero, mas em geral é de se esperar que a escolha do lugar para morar seja restringida pelo fator financeiro. No entanto, mesmo dentro das classes mais ricas da sociedade, eu imagino que o que predomina na escolha do lugar para morar é o fator 'ter uma família' e o bairro de que a pessoa 'gosta'. A grande maioria dos empreendimentos são voltados para famílias, e mesmo que você ainda não tenha uma família, é esperado que terá e que portanto deve morar desde cedo em um apartamento de três quartos.

Essa é realidade principalmente em João Pessoa/Campina Grande. Até onde eu vivenciei, a questão da acessibilidade ainda não está entre as prioridades na escolha por uma moradia. O mais comum é a escolha pelo bairro que gosta, que tem família perto ou que está perto da praia, sem mesmo considerar os serviços a uma distância caminhável que o bairro oferece. Claro que há exceções. Eu mesma (talvez eu não seja um bom exemplo) escolhi onde morar tanto em Campina quanto em João Pessoa primordialmente pela acessibilidade: em João Pessoa era imprescindível ir de bicicleta ao trabalho, e em Campina ir a pé para o centrão da cidade.

Já em São Paulo, devido ao tamanho da cidade, eu percebo que mais e mais as pessoas levam em consideração a questão da mobilidade por diversos meios de transporte. Lendo a Folha de São Paulo hoje, me dei conta que o jornal é cheio de propaganda de condomínios verticais, mas o que mais me chamou a atenção foi o fato de que alguns estão usando a mobilidade sustentável como propaganda, fazendo marketing até do estilo de vida que aquela opção de transporte proporciona. E o interessante é a presença de imagens como bicicletas estilizadas ou pessoas felizes andando de bicicleta. Claro que a proximidade de estações de metrô e trem também é realçada. 

Propaganda de condomínios na Folha de São Paulo (02/11/13)

Acredito que ainda seja uma minoria que coloque em evidência a acessibilidade como prioridade. Talvez sempre será um minoria. As pesquisas que mencionei no primeiro parágrafo mostram que a casa em si é geralmente mais importante que a acessibilidade, mas que há sempre uma parcela que vai colocar a acessibilidade como opção determinante. De qualquer forma, o fato que o mercado imobiliário entendeu que existe uma parcela da população que está preocupada com a qualidade de vida que se alcança sem ter a dependência do carro já é uma luz no fim do túnel. E se o fator mobilidade sustentável tornar de repente uma coisa 'chique' a coisa talvez tome uma dimensão muito mais importante.

O que mais importa é que planejadores urbanos e o mercado imobiliário entendam a existência dessa diversidade de estilos de vida na cidade e que é preciso dar opções de transporte para todos os estilos de vida, idade, gostos e classes sociais. E por que não vender as diferenças como algo bacana? Fico na torcida para que cidades de médio porte como João Pessoa e Campina Grande não demorem a entender essa dinâmica da vida das pessoas e que parem como esse monopólio de desenvolvimento voltado para carros.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Vivendo em JP/CG sem carro

Dia 07/06 nosso Sandero foi pro beleléu depois que um burro cruzou o caminho de Nazareno na estrada*. O processo do seguro para pagar o valor do carro demorou mais que o esperado e no fim das contas passamos quase dois meses totalmente sem carro. E foi uma experiência interessantíssima.

Tudo bem que desde que voltei da Holanda, e decidi ficar trabalhando em João Pessoa, já tinha dito que ia tentar a vida sem carro em João Pessoa. O que eu já estava fazendo. Mas sempre tinha o carro para um dia de preguiça e, principalmente, nos fins de semana. Mas ficar totalmente sem carro em João Pessoa e Campina foi inédito. E por mais incrível que pareça, teve mais pontos positivos que negativos.

Minha surpresa foi grande porque confesso que tinha medo de sentir uma falta de mobilidade, por isso mesmo que falei que ia 'tentar' viver sem carro. E esse medo vem de muitas coisas, mas principalmente porque nós, classe média do Brasil, não só crescemos achando a dependência ao carro algo normal como acreditamos que é impossível viver com conforto sem carro, impraticável de ônibus e bicicleta nem se considera.


Meu principal meio de transporte para ir ao trabalho é a bicicleta. São 7km de distância em ruas sem uma sequer via ciclável. Apesar de alguns trechos serem bem difíceis, principalmente nas rotatórias, sei que tenho a vantagem de já andar de bicicleta há muitos anos e por isso acho tranquilo. Quando vou de bicicleta chego com energia, sorriso no rosto. Adoro quando tem engarrafamento e eu passo tranquila pelos carros e acho uma pena não poder ir para todos os meus destinos de bicicleta.

Alguns dias e à noite eu uso principalmente o ônibus. Fiz meu cartão cidadão** e aprendi que o único ônibus que eu pego para ir pro trabalho, apesar de sair do terminal a cada 30 minutos, passa na mesma hora no meu ponto. Não só isso, ele é bastante pontual, portanto, suficientemente confiável. Na maioria dos deslocamentos que eu faço de ônibus, o percurso é o mesmo que eu faria de carro (em João Pessoa, Campina já faz um zigue-zague maior) e o tempo de espera no meu bairro raramente passa dos 5 minutos.


Claro que o carro tem sem papel e em algumas horas ele fez falta sim. No início, pra fazer feira, mas depois a gente até descobriu outras formas usando taxi e bicicleta, como também descobrimos o mercado público perto de casa. Nos fins de semana às vezes dava preguiça de sair, principalmente pra lugares onde o transporte público não é tão frequente ou acessível. O que me lembra meu doutorado… se você der opções de transporte (com qualidade) às pessoas, elas vão repensar o uso do carro.

Na tabela abaixo dá pra ver um comparativo entre os três modais. Por mais que normalmente o carro seja mais rápido, é muito mais gostoso a independência do carro. Estar na rua, ver gente, não se preocupar com estacionamento, ficar com a cabeça despreocupada, aproveitar o tempo gasto no deslocamento com outra coisa, não ter que pensar em colocar combustível, ter certeza que você vai chegar naquela hora não importa o que aconteça (de bicicleta no caso). 

Comparativo dos meus trajetos para o trabalho:

Tempo
(porta a porta)
Externalidade
Custo
Bicicleta
28 minutos
Faço exercício físico, chego energizada. Fico exposta a sol e chuva.
Quase zero
Ônibus
25-30 minutos
Descanso, faço crochê ou leio. Falta de garantia no horário de chegada.
R$ 2,20
Carro
15 minutos
(pode chegar a 30 minutos no pico da tarde)
Tudo é facilitado para ir de carro. Me estresso (e muito).
R$ 5,50***

Nesse nosso estágio sem carro, meu contentamento foi ainda maior por Naza ter descoberto esse mesmo sentimento. Ele testou e gostou ir pro trabalho de bicicleta e acabou dizendo que não ia mais usar o carro todo dia pra ir trabalhar. Só que infelizmente ainda não dá pra se livrar completamente do carro no Brasil, mas é muita certeza termos só um, mesmo que seja compartilhado em cidades diferentes. E enquanto eu preparava esse post nosso carro novo chegou, e foi recebido com carinho e alegria, mas é com a mesma alegria que a gente dá sempre um descanso pra ele, deixando-o em casa para ir trabalhar de bicicleta ou de ônibus. 

Sobre esse mesmo sentimento fala o livro 'como viver em SP sem carro', que também virou matéria na globo (abaixo). A matéria fala justamente do quão agradável é sair da zona de conforto e de repente viver a cidade de outra forma. Vale a pena ver o vídeo, se empolgar e testar deixar o carro em casa, nem que seja de vez em quando.





A dificuldade é fazer as pessoas e principalmente os gestores entender essa liberdade que o não uso do carro dá. Entender que um dia todos vamos ficar velhinhos e com mobilidade reduzida e que é legal não depender de familiares/motoristas para nos deslocar. E que a vida é muito mais leve sem carro. E sonho com o dia que nossas cidades forem um reflexo desse entendimento.


* todos os animais envolvidos no acidente escaparam :P
** cartão do transporte público que dá direito à integração temporal, para quem paga a passagem inteira.
*** preço aproximado baseado na tabela da ANTP.