segunda-feira, 5 de março de 2012

Bicicletada nacional: bicicleta pra quem?

Amanhã em várias cidades do Brasil vão ter manifestações que foram incentivadas por causa de três ciclistas (aparentemente de classe média) que morreram semana passada em diferentes cidades brasileiras. A de João Pessoa vai acontecer das 19h às 22h e o lugar de encontro vai ser no busto de tamandaré (mais informações na página do facebook aqui).

Ciclistas preferem não usar a ciclovia da Tancredo
Neves, que está destruída.


Eu não poderei ir porque estarei na mesma hora fazendo check-in pra voltar às terras baixas, mas adoraria participar. Eu não tenho nenhuma opinião formada ainda sobre esses movimentos políticos recentes que estão sendo iniciados principalmente pelo facebook, mas seria interessante saber quem são as pessoas que estão indo e o que exatamente elas estão querendo do poder público. Digo isso porque cada vez que volto ao Brasil, mais pessoas vêm conversar comigo sobre ciclovias e o uso da bicicleta. Me parece que a classe média pessoense está começando a pensar que a cidade deve ser também para o ciclista. Já faz um tempo que movimentos assim existem em outras cidades, notadamente São Paulo. Mas, como urbanista, o motivo dessas bicicletadas ao mesmo tempo que me alegra me preocupa um pouco.

Não é novo que várias pessoas usam a bicicleta como meio de transporte em todo canto do Brasil. Em geral, segundo dados da ANTP, quando maior a cidade menor o número de ciclistas. E a grande maioria deles são pessoas pobres. Em João Pessoa, até onde eu sei, não existem dados oficiais sobre o número de ciclistas mas dá pra ver muita gente andando de bicicleta e isso não é novo, tanto que o plano diretor de transportes de João Pessoa que foi feito no início da década de 80 indicava que ciclovias deveriam ser construídas. Se eu não me engano, a ciclovia da Tancredo Neves foi feita por conta disso.

Ciclistas morrendo nas ruas da cidade também não é novo. Em João Pessoa, um dado que me lembro sobre o número acidente de trânsito com mortes na cidade dizia que 15% dos que morriam eram ciclistas. Mas eles nunca foram da classe média. E é aí minha crítica com as bicicletadas por causa dos acidentes, pobre sempre morreu de acidente de bicicleta nas ruas. E me pergunto se é só assim que o poder público vai ouvir a necessidade da população: quando a classe média estiver morrendo.

A questão que coloco como urbanista é que se a classe média for ouvida, o principal problema do transporte cicloviário não vai ser resolvido: o daquela massa de gente que não tem dinheiro pra pagar o ônibus e usa a bicicleta por necessidade, única opção de se locomover. Porque essa população tem necessidades de deslocamento diferentes já que mora em bairros distintos da classe média. E, agora, acredito que o melhor a se fazer é melhorar o deslocamento dessas pessoas que já usam a bicicleta como meio de transporte e já se arriscam diariamente nas ruas brasileiras. E não acho certo dar prioridade a uma minoria que usa a bicicleta como opção (e nessa minoria eu me incluo). Muito menos pra quem quer usar a bicicleta como lazer. Acho que essas duas opções devem sim ser pensadas, mas pra segundo plano.

É preciso, primeiro de tudo, ver a bicicleta como um meio de transporte. E não um meio híbrido (lazer + transporte). Colocar ela como prioridade nas ruas, nos planejamentos e na educação para o trânsito. Fazer ciclovia na orla é lindo e super bacana, mas talvez seja mais importante ligar os bairros onde tem mais gente usando. E para isso é preciso ter números. Saber onde estão os ciclistas, para onde estão indo e vindo, quais os trajetos que eles usam, qual a distância média percorrida, onde poderíamos encurtar essas distâncias e, assim, dar prioridade às necessidades, entre tantas que esse Brasil tem. Além de tudo isso, infelizmente, a construção de vias exclusivas para ciclistas que ajudará o transporte cicloviário só será feita quando a prioridade for dada ao ciclista. Porque é impossível fugir de estrangulamentos da pista ciclável sem diminuir o espaço que existe pro carro. E que se essas manifestações servirem para fazer o poder público pensar nisso tudo, eu assino em baixo!

De qualquer forma, se eu estivesse em João Pessoa amanhã à noite, eu iria pra bicicletada. Queria muito ver e saber o que está acontecendo, o que as pessoas estão pensando sobre o transporte cicloviário e o que elas querem que mude nas políticas urbanas ou na cidade em si para elas. Se alguém que ler isso aqui for, por favor, conversa com as pessoas e descobre pra mim. E escreve aqui nos comentários depois :)

Um comentário:

  1. Bem, a coisa é tensa e como vc mesma disse não é muito clara.

    Movimento de facebook não é e nem nunca vai ser coisa de classe baixa.
    Este é um lance de classe média sim.

    Mas uma verdade que eu percebo, enquanto atleta ou fã de esportes, é que a categoria de ciclistas por lazer(esporte) em joão pessoa é MUUITO grande. Basta avaliar (contar) a qtde de grandes lojas de equipamento para ciclismo na cidade, comparada, por exemplo, com as capitais vizinhas, tais como Natal e Recife. Todos os parametros (empíricos, é verdade e colhidos por mim e amigos) indicam que JPA é um centro do esporte na região.

    O que só comprova o que falei antes e que vc levanta; este é um movimento de classe média/alta, que usa a bicicleta para brincar/treinar.

    Aquele cara que usa realmente a bicicleta como meio de transporte, não participa, não se mete e na verdade talvez nem saiba que isto vai acontecer, pois não tem facebook.

    A necessidade real provavelmente passa longe do objetivo real da maioria dos que estão a participar da bicicletada...e provavelmente, se houver uma ação estatal para responder, ela vai ser um cala boca para burguês ver...

    Esta conversa sobre as rodinhas vai longe... quero e desejo mais respeito a bicicleta, ao ciclista, seja o atleta, o passeante ou o cara que vai ao trabalho ... até pq temo o desrespeito que passo qdo pedalo... o que me encaixa no "ciclista burguës", mas na real. Não vão surgir vias dos suburbios para os centro de trabalho ou lazer...

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